Quando nos referimos à agricultura familiar estamos falando basicamente dos “outros” destacados na imagem acima retirada do site do IBGE censo 2017. Esses outros são os elementos que tornam o nosso prato colorido, as frutas, verduras e legumes, amplamente conhecidos por hortifruti.
Segundo o censo 2017, os agricultores familiares são 77% dos produtores rurais no Brasil e ocupam 23% das áreas de produção, empregam 67% dos trabalhadores no campo. Isso fica claro pela diversidade de culturas e lacuna no acesso desenvolvimento tecnológico que tornam os processos manuais. Onde uma máquina teleguiada aplica defensivos em áreas que ultrapassam os 3 dígitos em hectares, trabalhadores aplicam o produto utilizando bombas costais andando em meio à plantação.
No censo agropecuário de 2006, o total de estabelecimentos da agricultura familiar computados foi de 84,4 % em uma área de 32% do total de áreas de produção. Em 2017 os percentuais diminuíram para 77% dos estabelecimentos e 23% da área. Diversos fatores podem contribuir para essa diminuição, tais como: desistência com venda da terra para outros fins, arrendamento ou venda da terra para outros produtores maiores, dificuldade em manutenção dos descendentes no mesmo negócio, falta de informação e dados, dificuldade de comercialização da produção, dificuldades logísticas para escoamento do produto aos centros compradores, dificuldade de acesso aos tratamentos fitossanitários e insumos adequados à realidade e dificuldade em entender os requisitos legais e de clientes.
Passamos a tratar de cada um dos itens citados:
- Venda da terra para outros fins
Principalmente nas proximidades dos grandes centros e com o avanço das áreas ocupadas pelas cidades, as terras assumem valores atrativos por tornarem-se pontos de interesse imobiliário, tanto para a construção de indústrias como principalmente de condomínios residenciais de alto padrão. O valor oferecido pela terra se torna muito atrativo e o pequeno agricultor tende a vender as suas terras e se deslocar para regiões mais afastadas ou ainda ficar na cidade. Quando ocorre o deslocamento, outros problemas acompanham o pequeno agricultor familiar, como os aumento dos custos com a logística para entrega de seus produtos e a maior dificuldade de comercialização.
- Arrendamento ou venda da terra para outros produtores maiores
Muitas vezes a terra pertencente aos agricultores familiares é arrendada ou vendida para compor áreas maiores.
- Dificuldade em manutenção dos descendentes no mesmo negócio
Na agricultura familiar os produtores tendem a realizar o maior esforço para que seus filhos possam estudar e se tornarem graduados, para que estes não precisem caminhar descalços e sujarem suas mãos na terra. Há um entendimento, acirrado pelos conflitos atuais da mídia em relação ao uso de defensivos, de que existe mais nobreza associada ao trabalho nos grandes centros em relação ao trabalho rural. Não são poucas as vezes que ouvimos do produtor frases de auto desmerecimento. Entendemos que a atividade de produção agrícola, praticada na sua maioria por agricultores familiares, deveria ser um grande motivo de orgulho, não só pelo produtor como também pelos seus filhos, já que existem poucas atividades mais nobres que alimentar o próximo.
- Falta de informação e dados
Os dados para a gestão dependem do produtor e de um conjunto de participantes da cadeia agrícola que são capazes de gerá-los e compartilhá-los de forma rápida. Os dados existentes provêm das experiências dos agricultores e de seu círculo familiar e de amizade. Para os agricultores familiares, a informação agronômica provém muitas vezes dos próprios revendedores de insumos que ainda conseguem atuar nesse nicho da cadeia agrícola, somando grandes montantes financeiros em uma prestação de serviço que muitas vezes fica aquém de reconhecimento e de gerar ganhos efetivos. Como gerir negócios na era da informação sem ter acesso a ela?
- Dificuldade de comercialização da produção
A comercialização dos produtos oriundos da agricultura familiar normalmente é feita através de intermediários que realizam a operação logística. Sendo assim, o produtor fica refém de uma situação na qual não há empoderamento para gerar opções comerciais distintas, isso gera necessariamente um conformismo em relação à situação e muitas vezes uma tomada de decisão no sentido de não acreditar que o esforço no campo pode ser recompensado.
- Dificuldades logísticas
Em um país com dimensões continentais e grande problemas em seus trajetos, bem como com alto custo por km rodado, como fica o escoamento da produção? Como o mercado comprador dos maiores volumes consegue receber os pequenos? Esse é só mais um desafio que o agricultor familiar encontra.
- Dificuldade de acesso aos tratamentos fitossanitários
O registro de defensivos agrícolas no Brasil é feito por cultura e por nome comercial. Quando nos deparamos com as listas oficiais temos atualmente cerca de pouco mais de 1000 produtos registrados para a cana, já o hortifruti, conta com situações como a do chuchu, com 27 produtos registrados. O milho, por sua vez, figura com mais de 760 e o agrião com 14. A cenoura tem uma vantagem, sendo reservados para ela mais de 110 produtos, mas nada perto da cana, que possui mais de 600. Isso ilustra uma situação bastante difícil, as culturas com pouco suporte fitossanitário, pela própria configuração legal e custo dos registros dos insumos, são aquelas mais presentes na agricultura familiar. Como fica a situação do produtor que tem que defender suas plantas das pragas e doenças com 14 opções comerciais, que certamente não são 14 princípios ativos distintos? Como deve lidar o pequeno agricultor quando ouve que utiliza veneno?
- Dificuldade em entender os requisitos legais e de clientes.
Os diplomas legais e as exigências dos clientes estão cada vez maiores e mais complexos. São os mesmos impostos ao agricultor familiar e às grandes corporações agrícolas. Como atender exigências de certificações reconhecidas internacionalmente se cerca de 20% dos agricultores familiares ainda são analfabetos? Não são poucas as vezes que ouvimos dos produtores de hortifruti a frase: “desse jeito fica melhor desistir da produção mesmo”. Esse contexto será tratado com maior detalhe no presente artigo.
Nesse cenário então como ficam os “outros” que respondem pelo mesmo nível de exigência em termos legais e requisitos de clientes? Aliado a isso, as novas tecnologias que vem surgindo, em grande parte, não estão disponíveis para os pequenos agricultores familiares.
Para ilustrar essa questão, uma das normas que entrou em vigor recentemente foi a Instrução normativa INC 02/2018, um diploma legal criado pela Anvisa e pelo MAPA, que trata de rastreabilidade de vegetais. Isso causou, principalmente entre os agricultores familiares de hortifruti dúvidas colossais. Como atender essa nova legislação? São inúmeras empresas mostrando caminhos, órgãos públicos muitas vezes trazendo informações controversas. A maioria das ferramentas para auxiliar na rastreabilidade ou são incompletas para o produtor rural, tratando apenas da identificação por meio de etiquetas, ou possuem elevado custo e necessidade de pessoal dedicado ao preenchimento. Neste contexto o Caderno de Campo Eattae, cujo propósito é “dar as mãos a quem alimenta o mundo”, oferece uma ferramenta acessível em termos de custo, completa para a rastreabilidade do produtor e que permite a geração de dados que podem ser compartilhados automaticamente com o comprador, gerando confiança para o produto e informações para a gestão de toda a cadeia de produção.
Em um cenário tão difícil fica o questionamento: O que você vai comer amanhã?[/av_textblock]